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A ENTREVISTA

Foi na Barra. Representativo, o cenário era um shopping comum, em arquitetura pretensamente italiana. Uma guitarra enorme ostentava o logotipo de uma rede norte-americana de café, como para mostrar quem eram os verdadeiros romanos ali. Também chovia nesse dia. Torrencialmente.

Pela primeira vez na vida entrei em um táxi no Centro e, sem dores financeiras, disse: “vamos pra Barra”. Estava indo a trabalho. Fomos embaixo de chuva ao som de uma sonolenta rádio, sintonizada em volume estrategicamente baixo. Surpreendentemente, não houve conversa com o taxista. Era um dia de chumbo, frio, todos estávamos recolhidos até na fala.

O táxi cruzou as pistas e poças das Américas até o tal shopping. Desci. Acendi um cigarro para procurar o tal lugar, um escritório de advocacia. Podia fumar nesse shopping, aliás. Após pedir informações a um casal de idosos, descobri que o escritório ficava no segundo piso.

Três corredores escuros e com algumas lojas de produtos variados e mais uma escada rolante. Foi esse o percurso do táxi até o escritório. Advogados atarefados me receberam e me apresentaram a um senhor idoso, metido em um blazer recaído por cima de uma camisa social. Ele suava um pouco.

O bloco já estava em mãos, mas a mão, débil, não acompanhava o ritmo do falatório que se instalou na sala do advogado. Informações cruas, jogadas e brutas a um só tempo. Pedi silêncio e iniciei conversa com o senhor do blazer.

Contou-me de seus problemas com o plano de saúde. Já o possuía há duas décadas e agora tentavam garfar seu bolso com reajustes por mudança de idade. O motivo de estar ali era o de que a Justiça lhe havia sido favorável recentemente, com a ajuda daquele escritório. Morava na Barra, tinha filhas já casadas. Após discorrer sobre a pendenga judicial do seguro de saúde, passou a falar também da vida.

Revelou que havia sofrido dois enfartes. Numa delas, lembrou, estava em Angra, na casa de veraneio que mantém com a aposentadoria federal. A mulher ficou atônita e o levou às pressas para o Rio. Lá, sofreu maus tratos em um hospital da Barra, fez questão de ressaltar.

Finda a entrevista, tomo um café e me despeço. O advogado faz algumas piadas que rimos por instantes, antes da partida final. Aviso que sai amanhã antes de fechar a porta. Uma escada rolante e três corredores escuros e com algumas lojas de produtos variados depois, estou dentro de outro táxi.

Recosto o pescoço no banco, descansado. E me viro para o motorista: “Para o Centro, por favor”.

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